O POVO BRASILEIRO: RESUMOS CABOCLO, SULISTA, SERTANEJO, CAIPIRA, CRIOULO

OLÁ CAROS ALUNOS, CASO VOCÊS ESTEJAM COM DIFICULDADES EM ESTUDAR O TEMA PROPOSTO SEGUEM OS RESUMOS DE CADA TEMA:


O Brasil Sulino.

O Brasil sulino é uma região muito diferente, como é diferente entre as suas próprias regiões.A sua povoação teve quatro origens básicas, culturas que resistiram, mas acabaram se mesclando. São elas: os missioneiros, os provenientes da gadaria, portugueses e açorianos e , num termo genérico, os gringos. Isso nos é contado por Darcy e Chico, por Eduardo Giannetti e Judith Cortesão e com riquíssimas ilustrações e visuais.
Até eu entrei nesta história do Brasil Sulino, o meu espaço para ser um brasileiro, de origem alemã, mas cosmopolitizado. Somado este espaço, ao meu tempo, e, eis eu aí.

As Missões são algo impressionante. Se formaram pelo encontro dos jesuítas espanhóis, com um projeto bem definido, com os índios guaranis e, com este encontro, uma utopia se fez realidade. Os jesuítas transformaram índios  guerreiros e de ritos antropofágicos em índios seráficos e piedosos, que confessavam diariamente as suas mais recônditas vontades e os mais profundos desejos, que por sua vez recebiam a censura e a repressão dos padres, com a triste ideia do pecado. Centenas de milhares de pessoas entraram neste projeto. O projeto de Deus estava realizado! Além de um projeto político, era também, um projeto espiritual, de conquista de almas. Judith Cortesão nos relata que este foi um dos projetos de lavagem cerebral mais bem sucedidos. Porém, um dos mais abomináveis, ao se desfazer uma visão de mundo e promover o desenraizamento cultural. O índio já não era mais índio.
As Missões, um dos maiores transplantes culturais. Índios passaram a não ser mais índios.

Mas quem apanhou com este projeto espiritual, foi o corpo. Eles perderam a capacidade de lutar, de se defender. Os mamelucos bandeirantes viram estes índios e o seu trabalho disciplinado e os transformaram em presas. Formaram bandeiras, verdadeiras cidades ambulantes, com até duas mil pessoas e mais de trezentos mil catecúmenos missioneiros se transformaram em mercadoria, que ainda por cima se auto transportava, para os canaviais e os engenhos açucareiros.

A outra matriz gaúcha veio da gadaria, do gado trazido pelos espanhóis e que ficou meio largado, meio sem dono, pelos pantanais e pelos charcos. Do cuidado com este gado surge o gaúcho típico, bem característico e orgulhoso de sua condição. Estes gaúchos já não eram índios, nem espanhóis, foram formando uma etnia nascente, unificada em torno do pastoreio, da gadaria, e de usos e costumes comuns. Judith Cortesão os qualifica como heroicos e líricos  e que nas noites de galpão celebram em tertúlias, os seus feitos grandiosos, insistindo na permanência de um tempo passado. E a gauchada foi se espalhando, junto com o gado, semeando as fronteiras no sul, entre brigas e entreveros.
Tertúlia é o eco das vozes, tribuna de injustiçados. Assim canta Leonardo, famoso cantor gaúcho.Carne no fogo, chimarrão rodando, gaita tocando, causos e cantos, desafios e trovas. Eis as ricas tertúlias.

Mas os portugueses também estavam presentes. Eles já estavam em Laguna, o extremo sul português de então. Vendo as fronteiras de hoje, entendemos os êxitos do empreendimento expansionista. Durante as falas, lindas cenas da presença portuguesa, são mostradas. Duas foram as raízes portuguesas, vai contando Judith Cortesão, a dos açorianos e a dos poveiros, navegadores e pescadores de Póvoa de Varzim, do norte de Portugal. Quem quiser conhecer a presença portuguesa no sul, sugiro uma visita ao bairro de Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Não tem como não se encantar. Cortesão ainda nos fala das festas do Divino, que como vimos no capítulo da matriz lusa, são festas simbolizando fartura e fraternidade.

Açorianos e portugueses transformaram as invernadas em estâncias e a espontaneidade cedeu para a racionalidade e, o gaúcho campeiro cede espaço para o escravo negro. Dos negros foi herdada a festa de Navegantes, uma das maiores festas do sul, e os candomblés, numerosos em Porto Alegre e na cidade de Rio Grande. A presença negra também nos legou Lupicínio Rodrigues. Inigualável. Entre as suas músicas está um dos hinos mais cantados, Brasil afora e, conhecido de todos "Até a pé nós iremos", o hino do único imortal no futebol, o imortal tricolor. Esta menção eu estou inserindo, em vingança ao vídeo, que mostra um escudo daquele outro time de Porto Alegre, em uma casa de imigrantes.
Olhem aí os rostinhos lindos do brasil imigrante.

A quarta presença no sul é a dos imigrantes. Alemães, italianos e poloneses foram trazidos pelo governo, para povoar as áreas vazias entre a fronteira e as cidades. Formaram núcleos culturais bastante fechados, fechados até hoje. Assim temos os alemães dos vales dos rios dos Sinos e Itajaí e os italianos da região da serra gaúcha, tendo em Caxias do Sul, o seu maior núcleo. Em menor número vieram os poloneses e os ucranianos. A urbanização e a industrialização se encarregou das fusões e unificações. Cortesão ainda nos conta da herança portuguesa dos faxinais, um legado para o futuro. Terras coletivas, em meio a propriedades individuais, sob o cuidado e uso coletivo.

Já no encerramento Chico lê Darcy, sobre os problemas da região. As famílias se multiplicando e as terras se tornando pequenas e poucas, formando uma população excedente. E o antigo gaúcho se transforma em peão, carrapato, xanga, reserva de mão de obra. Mas no sul se forma um dos mais fortes conceitos de Nação. Nação, formada de território e de instituições soberanas, mas acima de tudo por um sentimento de pertencimento, alicerçado na memória que transforma o sul no mais vasto e rico, plástico e vital laboratório de aculturação. E este sentimento, que cultiva o regional, sem jamais abandonar o nacional.

E, uma pitada de música, na qual o sul é riquíssimo. Considero Pedro Ortaça o grande representante da música missioneira e Adelar Bertussi, do canto imigrante serrano e Dante Ramon Ledesma, do canto da fronteira, que inclusive as ultrapassa, formando o canto brasileiro/argentino.

O Brasil Caboclo.

De novo Darcy Ribeiro faz a maior parte dos comentários sobre o mais bonito dos Brasis, o Brasil caboclo, o Brasil  amazônico, das riquezas e dos povos da floresta. Chico continua lendo trechos de Darcy e Aziz Ab'Saber e  Márcio de Souza também comentam e, com raro brilho. Também são lidos textos do padre Vieira e de Rondon. Enquanto isso ao longo de todo o capítulo são mostradas a florestas e os rios, os produtos nativistas e os peixes, bem como manifestações de fé deste Brasil caboclo.
No Brasil mais profundo, encontramos o Brasil Caboclo.

Muitos índios e poucos portugueses, misturados pelos jesuítas, eis a origem do nosso caboclo, que habita no lugar de beleza incomparável, beleza só nossa e de alguns vizinhos, a beleza da Amazônia. O chamado Jardim da Terra, de uma extensão imensa. Lá impera a exuberância e o mistério, o mito das riquezas, do ouro e da prata. Das mulheres guerreiras, de gigantes e de anões, das drogas e das plantas fantásticas. Se eu tivesse que falar da minha terra, diz Aziz Ab'Saber, diria que ela convive com raízes ainda  pré-históricas e que copia o que existe de mais moderno no mundo ocidental. Diria também, em termos de futuro, que temos os maiores recursos hídricos de rios, riachos e igarapés, de rios brancos, negros e violáceos, o maior domínio de natureza tropical e as florestas com a maior biodiversidade da terra. Bela perspectiva.
A exuberância do Brasil caboclo, amazônico. Muito sol, muita água, muita planta. Que biodiversidade!

A chegada dos europeus representou a catástrofe. As doenças que trouxeram entraram no corpo dos índios para dizimá-los. Foi o sarampo, a bexiga, as cáries dentárias, a caxumba e as gripes. todas mataram grande número de índios. Os que sobraram foram transformados em escravos, para a coleta das drogas do sertão, ou então ficaram sob o controle da catequese de jesuítas, carmelitas e franciscanos. O narrador vai lendo texto do padre Vieira, lamentando a morte de dois milhões de índios, em trinta anos. Este caboclos se transformaram em índios genéricos, sem língua própria, sem identidade. Uma enorme massa de índios, de poucos brancos e negros formou uma nova matriz étnica. Falavam o tupi, uma língua estrangeira que lhes foi trazida pelos jesuítas. O português era apenas a segunda língua, que foi se firmando, graças aos esforços, no segundo reinado. Viviam das drogas do sertão e da abundância da natureza, da forma mais rudimentar e primitiva.

A partir de 1880 ocorreu a primeira grande transformação, que marcou o seu maior florescimento econômico. A borracha abriu um ciclo econômico vinculado com a exportação, com a Europa. Para lá é que eram drenados todos os recursos. O seringueiro levava uma vida desgraçada e que conheceu uma nova forma de exploração, o sistema de aviamento. Ele recebia adiantamente as mercadorias que precisava, poucas na verdade: comida, roupas, pólvora,  e pagava depois, mas nunca conseguia pagar. As contas sempre pendiam para um lado só. Manaus transformou-se na capital mundial da borracha e Belém na capital da Amazônia.
O teatro de Manaus, símbolo do fausto da borracha.

Depois da primeira guerra o cenário muda. A Malásia domina o mercado da borracha e aqui ocorre a debandada. Empresários se suicidam, casas e palácios começam a ruir e Manaus, a primeira cidade brasileira a ter telefone, energia elétrica e bondes, na década de cinquenta nem energia elétrica mais tinha. Um novo período de desastres se reabrirá com o projeto dos militares golpistas. Queriam integrar a amazônia, loteando-a para os grandes grupos internacionais. Com a Transamazônica queriam levar a modernidade à região. Mas só inauguraram uma nova via crucis de conflitos agrários e de destruição de áreas indígenas. A desintegração e os conflitos tomam conta da região. A contradição é percebida e os povos da floresta se organizam. A morte de Chico Mendes representa simbolicamente todo este conflito. O narrador lê um texto do marechal Rondon sobre o absurdo do loteamento da Amazônia, um projeto atrasado, lastimoso e vergonhoso. As terras, onde jamais o homem civilizado pôs os pés,  numa inversão monstruosa de ordem tanto moral, quanto racional, passou a ser propriedade privada, para no futuro, ali se promover a expulsão de índios e ainda acusá-los de intrusos, salteadores e ladrões.
Olhem a maravilha! Integração entre o homem e a natureza. Ah! se essa natureza fosse tratada como a Mãe Terra, a Pachamama inca.

Até hoje a civilização se mostrou incapaz de produzir um sistema de viabilidade econômica às condições da floresta tropical. E, enquanto Chico lê, a câmara mostra cenas das consequências, como os misticismos e os trabalhos degradantes. O Brasil precisa vencer o desafio da amazônia e tem que mostrar ao mundo, que nem tudo é mercado e competição e que o índio precisa de medidas especiais de proteção, para que as populações do Brasil Caboclo não sejam reduzidas à condições de vida de extrema pobreza. E Darcy quase chega a nos pregar: lá vive o povo mais culto da terra, o povo mais culto do Brasil. Tem dez mil anos de sabedoria herdada, de convívio com a natureza e de saber sobreviver nela, sem degradá-la. O que não seria de uma economia que incorporasse o cupuaçu, o bacuri e tantas outras frutas numa agricultura organizada. A própria mata se enriqueceria. O que não seriam as fazendas de criação de peixes e de jacarés.O cenário de fundo vai mostrando estas maravilhas.
Escolhi esta foto como símbolo do Jardim da Terra, do qual Darcy fala.

Darcy termina, afirmando que ninguém tem o que nós temos. Imaginem o turismo levando o mundo inteiro para ver as belezas da selva amazônica, e todos andando pelados pelas matas. Temos o maior sol, a maior  floresta e a maior biomassa. O mundo mais rico, o mais exótico e o mais bonito. Temos as eternas promessas do Eldorado Nós temos o Jardim da Terra.
Mais uma foto do Paraíso terrestre, o jardim do Éden, que é a amazônia. O encontro das águas do rio Solimões e do Negro.

Ir a Manaus, Belém também é muito bonita, é um dos maiores encantos que se pode imaginar. Quando a conheci, visitando filho que trabalhou por lá, comprei um álbum, em CD, de 400 fotografias, mostrando paisagem, flora, fauna, folclore, artesanato, etnias, arquitetura e gastronomia. Uma maravilha só. As fotos são de Nelson Jobim e Ana Butel. As quatro últimas fotos são deste álbum.

O Brasil Caipira.

Este sétimo capítulo sobre o povo brasileiro é apresentado por uma dupla caipira. Não de música, mas de intelectuais: Antônio Cândido, o de "Os Parceiros do Rio Bonito", o maior estudioso da cultura caipira e por Darcy Ribeiro, o maior estudioso da formação do povo brasileiro. Que maravilha fez este vídeo documentário, ao juntar estes dois intelectuais. Darcy é de Minas, de Montes Claros, mais sertão, mas  quase toda a sua formação se desenvolveu nas áreas caipiras. Continuam ainda presentes, Chico Buarque, lendo e Antônio Pinho comentando. Os filmes que fornecem cenários ficam por conta de Marvada Carne (André Klotzel), São João na Roça (Dênison Diamantino), Cruzada de Mogi e Moçambique de São Bernanrdo (Dina Lévi Strauss), A Luta pelo Transporte (Jean Manzon) e Deslocamento de Índios (Nutels). O capítulo é aberto com a narração de um texto de Oswald de Andrade, depois comparece Sérgio Buarque de Holanda.
Darcy Ribeiro e Antônio Cândido nos contando sobre o Brasil Caipira. É fascinante. Qualidade!

Quem é o caipira? O da paulistânia. Trata-se de uma outra área cultural, seguramente a que mais transformações, de toda ordem, recebeu. Não se trata, nos adverte Antônio Cândido, daquele sujeito de hábitos não civilizados, que pejorativamente chamamos de caipira, mas de um dos personagens mais característicos na formação de nossa gente. É aquele morador que sobrou dos primórdios da colonização de São Paulo, resultado do cruzamento do português com as índias. Esta gente andeja perambulou por aí, com o sertão no horizonte e um sonho fixo na mente. Falavam a língua geral, uma elaboração dos jesuítas, sobre o tupi guarani. Só não se tornou a língua oficial pela imposição de Portugal. Primeiramente, por século e meio, aprisionaram índios para mandá-los como escravos para os engenhos, até que um dia, um negro encontrou algo também negro, que o branco descobriu ser ouro.

Do nada, 300.000 pessoas acorreram para o ciclo do ouro. Quando o ouro se acabou, a diáspora espalhou essa gente, para áreas de novas minas (Goiás e Mato Grosso), mas muitos foram ficando. Fizeram roça, plantaram milho, criaram porco, galinha e vaquinhas. O queijo também fazia parte de seus fazimentos. Eis o povo caipira. Antônio Cândido nos explica que alguns se fizeram fazendeiros, latifundiários, exportadores. Permaneceram no mercado e moraram em cidades. Mas a maioria saiu do mercado, vivendo em suas rocinhas, produzindo para si mesmos. Os orgulhosos bandeirantes, agora atrofiados, se transformaram nos caipiras.
Antônio Cândido vai nos contando um pouco de seu vasto conhecimento da cultura caipira.

A nova transformação veio com o café. Florestas são derrubadas e a sina da escravidão se estende agora para a cafeicultura. E, culturalmente, novas fusões se fazem, com a incorporação da cultura afro, rumo a uma indiferenciação, pela unificação. O Vale do Paraíba é o grande cenário. Este cenário se modifica com a abolição e a imigração. Vejam bem, até aqui, todo o trabalho regular, sistematizado, e já estamos no final do século XIX, (1888), era trabalho escravo, trabalho tratado a chibata. Mas o que se fez com o negro, para integrá-lo a uma sociedade classista e competitiva? Não tenho espaço, aqui, para tratar da questão. O imigrante não teve sorte muito melhor mas, ao menos, já estava habituado com o trabalho assalariado.

Como a população era escassa e móvel, os assentamentos populacionais foram feitos de uma forma extensiva. O que os unia e congregava era o bairro, como conta Antônio Cândido, pela voz de um velho caipira; "O bairro é... uma naçãozinha". O bairro era onde se assentava a coesão social. No bairro ele satisfazia suas necessidades, se praticava a solidariedade dos mutirões e aí eram feitas as festas. Muitas festas, festas da santa cruz, festas de São João, festas caipiras. Se mantinha uma erudição portuguesa do século XVII. Do gosto pela festa, somado com a vida simples da auto suficiência que levava e, com a incorporação do hábito indígena da caça e da pesca, ele ganhou a fama de preguiçoso. O Jeca Tatu.
O caipira mal falado: O Jeca Tatu.

 Mas esta sociedade de auto suficiência, do queijo, do franguinho e do porquinho, da rapadura, da cachaça e do fumo, da produção artesanal, sofrerá a sua última grande transformação. Estamos na metade do século XX. Esta cultura é assolada pela transformação da industrialização. De fora lhe é trazido um modelo, uma sociedade de mercado, que lhe mostra produtos, para os quais não tem dinheiro para comprar. A vida no campo também muda, com uma completa reestruturação das atividades agrícolas e pastoris. Ocorre o êxodo rural. Não porque a cidade tivesse empregos e atrativos, conta Darcy, até a escola que era boa, fica ruim. O que existe é um enxotamento. O caipira vem para a cidade para exercer funções subalternas, servente de pedreiro na construção civil, porteiro, soldado, e vai morar na periferia.  Vai viver desolado. Subordinado ao mercado. Todos querem as coisas do mercado mas como comprar as mercadorias sem ter o dinheiro.
Só lhe resta cantar as saudades e as mágoas.
E a sociedade se desintegra. O poder não funciona mais. As instituições não dão mais conta de nada. Chico lê Darcy: a escola não ensina, a igreja não catequiza e os partidos não politizam. O poder foi substituído por um sistema de comunicação de massa que impõem padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, aprofundando ainda mais a sua marginalização. E Antônio Cândido vai encerrando o capítulo. Não falo como estudioso, falo como um de seus integrantes. E aí eu tenho a dizer que esta cultura caipira acabou. Antes já dissera que São Paulo, a cidade, é uma destruidora de caipiras. Uma criança vai cantando: Eu não sei para onde vou...

Antônio Pinho tem a palavra final falando da enorme capacidade da reinvenção, que a riqueza  dessa cultura sempre teve e que sempre terá, com novas maneiras de ver a realidade, para novas reinvenções e triunfos e o canto ufanisticamente insiste. "Vai melhorar".
O circo, o grande palco de lazer e diversão do povo caipira. Quantos artistas não foram aí formados.

Uma pitada minha. Gosto da música caipira. Seguem três sugestões: Mágoa de Boiadeiro, a interpretação de Pedro Bento e Zé da Estrada é um luxo; Franguinho na Panela e Saudades da Minha Terra. É um lamento doído e sofrido. Sim, tem mais. Não é muito meu feitio, mas eu comprei o DVD Chitãozinho e Xororó - Sinfônico, comemorando os 40 anos da dupla. Retrata esta história, do Brasil caipira, da economia cafeeira para cá, desde a chegada da dupla em São Paulo, na estação de trem, hoje transformada na casa São Paulo, onde o show comemorativo foi realizado.Um trabalho de muita qualidade.

O Brasil Sertanejo.

O pedaço mais sofrido deste Brasil. O eito de terra mais hostil ao ser humano. A sua beleza é terrível e grandiosa, estranha e forte, no dizer de Ariano Suassuna. O sertão nos deu Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e o próprio Suassuna. Nos deu o baião e Luís Gonzaga. Nos deu Nelson Pereira dos Santos e nos deu  Euclides da Cunha a narrar o maior fenômeno nele ocorrido. Estão presentes neste sexto capítulo do vídeo, Darcy, Chico Buarque, de novo, lendo Darcy, Paulo Vanzolini, Antônio Risério, como comentadores, músicas de Luís Gonzaga e cenas de Vidas Secas, de Raízes e Rezas, Casa de Farinha e de Memórias do Cangaço.  O vídeo é completado com leituras do narrador, de textos de Guimarães Rosa, Roger Bastide, Josué de Castro, Capistrano de Abreu e de Graciliano Ramos. 
O sexto capítulo é dedicado ao Brasil mais sofrido, mas que endoidou de ficar bom, nos diz Darcy, ao falar do cultivo de frutas, no São Francisco.

O sertão brasileiro tem origem na criação do gado, no nordeste que vive situações extremadas. A caatinga é a natureza mais hostil que existe para o ser humano, o lugar mais difícil de se viver. Sem chuvas e quando chove ela é irregular e pouca. A terra não a absorve, pois é um chão de argilas secas em solo raso e pedregoso. Sua vegetação é a espinhenta caatinga. Surgiu num surto de interiorização, com a criação de gado, criação esta impossível, junto aos canaviais. O gado foi então levado para as terras imprestáveis, sem água, um boi em cada dois alqueires de terra. Mas havia um pouco de água e a teimosia humana insistiu em ali ficar. O boi era mercadoria boa, nos diz Darcy, que como os escravos não precisa de transporte. Ele se auto transportava. E deste sertão se fez criame de gado e de gente, de uma gente diferente, o sertanejo.
Mas quando e onde havia água, a paisagem se engalanava.

Ameríndios, brancos e mestiços, de São Paulo e da Bahia foram alargando nossas fronteiras agrícolas, sob a permanente ameaça do sol. Ali se criou um homem forte, resignado e prático, preparado para a luta. Estamos no século XVIII e começando pelo Piauí. Entramos no ciclo da pecuária extensiva, com as marcas do couro, do latifúndio, do misticismo e do coronel, este de faca e de fuzil.

O couro era onipresente: de couro era a porta das cabanas, o leito no chão duro, o lugar de guardar roupa, a bainha da faca, o mocó de carregar comida, a esteira onde se arrastava terra para a construção de açudes, e a roupa para adentrar ao mato, e muito mais. Formou-se uma civilização em torno do couro. O espírito do sertanejo tinha uma espécie de ligação direta com o mundo medieval, uma cultura de arcaísmos. A poesia popular, manifesta pelo cordel reflete este mergulho na Idade Média. No espírito cultivavam o ascetismo (devia ser difícil), o milenarismo e até o sebastianismo. Viviam um cristianismo português, la´da profundidade. Um rei voltaria com seus cavaleiros para salvar o seu povo. este espírito era a sua resistência, para esta insurreição da terra, contra a presença nela do homem. E quando os pássaros abandonavam a área, a seca estava anunciada. Era o prenúncio de desgraças mil.
A seca acabava com tudo, homens e animais. Aos homens cabia a fuga do sertão e assim levas de gente foram abrindo novas frentes agrícolas ou povoar as cidades, se empregando em tarefas que não exigiam classificação, na construção civil e na indústria.

O coronel era o senhor absoluto. Dono da vida e da morte. Formava um aparelho para estatal. Zelava pela lei, mas também impunha a sua própria lei. Aos desafios, a morte de alguém da família, a desonra de uma moça, era respondida com a violência. Antônio Risério comenta esta situação citando Guimarães Rosa, que mesmo Deus, quando vier, que venha armado, porque bala é apenas pedacinho de metal. O coronelismo gerou a sua antítese, o cangaço. O enfrentamento ao coronel tinha os seus símbolos: cabelo comprido, a estrela de Salomão no peito, os dedos cheios de anéis e as cartucheiras. 

A sua religião era puro misticismo e superstição (Os padres não enfrentaram a dureza do sertão?). Era cheia de demônios, de malditos, de lobisomens. A religião era tão trágica, tão machucada de espinhos e tão torturada pelo sol, quanto a própria paisagem. Esta religião se expressa no padre Cícero de Juazeiro, na santidade de Jaguaripe, no misticismo de Pedra Bonita, em Pernambuco e na personificação maior em torno de Antônio Conselheiro e a tragédia de Canudos.

Premido pela seca, o sertanejo se fez força de trabalho, sem preparo, amargando situações difíceis nas cidades, onde se prolongou o seu sofrimento do sertão. Ou então se embrenhou no Brasil profundo, sempre fugindo da seca e sempre sonhando em voltar. Hoje ele é encontrado no Brasil inteiro e o transporte e os meios de unificação também vão unificando culturas. Como heranças culturais nos deixaram o couro, a carne de sol, o baião e os trios nordestinos, com o tradicional acordeão, o triângulo e zabumba. por falar em música nos deixaram Luís Gonzaga e Dominguinhos, recém falecido. Ah sim. Lula também veio do sertão, num pau de arara.
havendo as mínimas condições, isto é, havendo um mínimo de água, o sertanejo não abandona o sertão, ou então fica doida para nele voltar.

O sertão nordestino e o nele viver é maior lição que o sertanejo deixou, para nossa geração ávida de consumo e que tudo encontra em shoppings. Quem viveu as agruras do sertão, está apto a viver em qualquer lugar do mundo, acostumado que está em lidar com as dificuldades. Com as modernas tecnologias é possível levar água ao sertão, hoje um dos melhores lugares do mundo para produzir frutas,como nos demonstram as culturas das margens dos Rio São francisco.

O vídeo encerra com citação de Guimarães Rosa. O sertão está em qualquer parte, o sertão está dentro da gente e o final só poderia ser mesmo, com Luís Gonzaga e a Asa Branca.


O Brasil Crioulo.

O quinto capítulo do vídeo começa com a apresentação de dados por Darcy Ribeiro e Chico Buarque. Darcy nos fala, que ao longo dos séculos XVI e XVII, a economia açucareira era a mais forte expressão econômica da época, equivalente à do petróleo nos dias dias de hoje. Toda ela foi construída em cima do regime escravagista e este mercado de escravos movimentou, em quatro séculos, mais de cem milhões de negros, dos quais doze milhões "foram trazidos" para o Brasil, dos quais a metade morreu e a outra metade foi "gasta" no processo, expressão usada por Darcy. Chico, agora comentarista e não leitor, como nos outros capítulos nos conta que a criatividade negra se tornou expressão dominante e que se expressa gloriosamente nas regiões para as quais os negros mais afluíram, como na Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Olha a beleza e a riqueza desta escrita. O quinto capítulo é dedicado a esta maravilha que foi e é o Brasil crioulo, fonte de tanta inspiração.

Da casa grande e da senzala, dos engenhos e das tecnologias, da fertilidade das terras e do conhecimento do açúcar pelos portugueses e com a escravidão negra se forjou a civilização canavieira. O senhor do engenho reinava absoluto. Era uma espécie de senhor feudal, todo poderoso, poder pleno. Para simbolizar este poder, Darcy conta a história de um senhor que comprou uma moleca, para os seus deleites e a sua senhora lhe mandou quebrar todos os dentes, para torná-la feia. Tudo se podia. Até poder religioso, o senhor feudal tinha, pois a igreja e a casa grande eram unidas. Na casa grande, toda a pompa e riqueza. Na senzala, um pombal negreiro, onde  viviam encaixotados e empilhados e prontos para produzir a opulência do ciclo açucareiro.

A riqueza estava aqui. Ricos éramos nós. E a nossa riqueza era expressa não só pela economia, mas também pelas artes, pela pintura, pela música, pela poesia, pela escultura e pelo pensamento político. Nos Estados Unidos jamais se produziu uma cidade como Salvador e muito menos, como Ouro Preto. A opressão sobre o negro não cessou com a abolição, como seria de imaginar, pelo contrário iniciou-se um processo que os marginalizou, com mil processos de exclusão e de não qualificação para serem integrados a uma sociedade de classes. (Tenho trabalhos sobre a questão -Joaquim Nabuco, Florestan Fernandes -, que oportunamente publicarei). Mesmo após a abolição, a elite não pensou em formar uma Nação para os brasileiros. Continuaríamos sendo uma empresa para os outros. Um momento decisivo para o Brasil, mas desperdiçado. Deixamos de integrar pessoas ao mercado e criando problemas sociais.
Expressão da riqueza artística que acompanhou a economia açucareira.

Depois desta apresentação o vídeo passa a mostrar as raízes da cultura negra, a sua permanência, mesmo com toda a repressão, e a sua constante reinvenção e a  sua presença nos dias de hoje, já como a cultura brasileira. A cultura negra manteve a sua força, mantendo-se paralela a cultura branca dominante. Faziam as suas festas, nos dias de festa dos brancos, quando os instrumentos de vigilância se afrouxavam nas senzalas. Quando as manifestações exteriores eram tolhidas, as cultivavam no espaço intangível da interioridade. Mãe Estela, o Babalaô Agenor Miranda da Rocha nos falam da herança, enquanto são mostradas cenas dos filmes de Nelson Pereira dos Santos (Rio Zona Norte) e de Jean Manzon (Uma Canção Brasileira). Mas não é só. Clementina de Jesus, canta e ensina a fazer feijoada, na recuperação de programas de televisão, com a sua participação.

Os destaques da herança são para o vocabulário, enriquecendo-o e lhe dando maior expressão linguística e mais beleza. Na música nos deram ritmos, o berimbau e a cuíca, enquanto regavam a nossa comida com o azeite de dendê e a tornavam "quente" com a pimenta malagueta, além de a enriquecerem com a banana e o quiabo. Acima de tudo deram o sabor ao nosso peixe e à nossa galinha. Se mostraram os verdadeiros donos da terra ao se apoderarem da cozinha. Mas acima de tudo nos legaram a sua herança cultural e espiritual.
A maravilha da moqueca baiana e, ... no Barravento, (chique!) junto ao Farol da Barra, onde  a colonização começou. Pagamos pela paisagem, a comida foi de brinde. Estou com o amigo Sérgio Marson, presidente do N. S. da APP. de Umuarama.

A cultura baiana é essencialmente uma interação entre o ser humano e a natureza, manifesta pela espiritualidade. Fragmentos da natureza são as suas divindades. Iemanjá é a deusa do mar, Iansã a do vento, Xangô, o do fogo. A terra é o palco dos deuses e nela, os humanos pedem às divindades a saúde , a beleza, a fertilidade e a riqueza. Imaginem a cara do Darcy, contando sobre Iemanjá, uma mãe de deuses, que faz amor. Darcy usa uma palavra, que a minha herança cristã não permite dizer. Algo parecido com trepar! Conta Darcy, que depois dos gregos, nenhuma divindade nos é apresentada dessa forma. Isso é maravilhoso! O vídeo vai mostrando falas de Mãe Filhinha, e cantos de Luís Melodia e Chico Science (Manguetown). Este Brasil crioulo também nos legou três das nossas maiores festas: o candomblé, as festas de Iemanjá e acima de tudo o Carnaval.

Agora quem canta é Nelson Sargento - Encanto da Paisagem, cantando as mazelas do desajuste social. A seguir, quem canta é Clementina de Jesus - Sei lá, Mangueira. O vídeo encerra com Chico lembrando a amálgama da mão que supliciou e praticou a crueldade mais atroz, de gente insensível e brutal, com a doçura mais terna, para chegar a isso que é o povo brasileiro. Mãe Estela faz até um pedido pela elevação da alma desses algozes, lembrando que a repressão gerou uma maior força de permanência. Quem encerra mesmo, é Cartola - com O Sol Nascerá. A sorrir eu pretendo levar a vida. Tem que lembrar sempre o Darcy falando  sobre - o que não teria sido este povo, se aqui tivesse havido um projeto de Nação e não o de uma empresa para os outros.
A sorrir eu pretendo levar a vida. A poesia e o canto não foram impedidos por um processo civilizatório dos mais cruéis e que provocou tantos desajustes sociais, com os quais ainda convivemos.

Tenho certeza de que cometerei injustiças ao lembrar um pouco deste mundo, não por maldade, mas por esquecimento. Mas como não imaginar nesta hora, toda a riqueza de um Gilberto Freyre, de um Jorge Amado, de um João Ubaldo Ribeiro. De um Nelson Pereira dos Santos e de um Glauber Rocha. De um Vinícius, Caymi, Caetano e Gil e de um Cartola, de um Nelson Sargento, de Clementina de Jesus, de um Chico Science e de um Luís Melodia, estes últimos, presentes no vídeo. É um mundo maravilhoso e voltado, apesar de todos os desajustes, para a alegria, como Darcy não cansa de falar.

Ontem (04.04.2013) fui assistir Siré Obá - A Festa do Rei, no Festival de Teatro de Curitiba. O grupo é de Alagoinhas, lá da Bahia. Um mergulho na cultura afro. Um turbilhão de emoções e uma maravilhosa elevação espiritual. Poucas vezes a minha mente ficou tão agitada. E viva o Jorge Amado, que com a sua briga política, inscreveu a liberdade religiosa em nossa Constituição, lá nos idos de 1946.

FONTE DE PESQUISA: http://www.blogdopedroeloi.com.br/ 

AGORA É COM VOCÊS....BOM TRABALHO

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